O que está por trás da investida israelense contra a UFSM?
Nas últimas semanas, a sociedade gaúcha e brasileira vem sendo manipulada a crer que
existem organizações antissemitas atuando para identificar cidadãos israelenses que
estudam ou lecionam na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Turbinada por
meios de comunicação alinhados à extrema-direita, como a revista Veja, essa
desinformação tem o objetivo de atacar o movimento por Boicote, Desinvestimento e
Sanções (BDS) contra Israel.
Essa tentativa de manipulação acontece no mesmo momento em que o primeiro-
ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ameaça o povo palestino na Faixa de Gaza
com um novo massacre. No dia 7 de junho, durante a cerimônia de abertura das sessões
do Knesset (o Parlamento israelense), o primeiro-ministro, em seu discurso, ameaçou
utilizar “força total” contra Gaza e, logo em seguida, anunciou a criação de uma rede
ofensiva contra o BDS.
Na última vez que Israel utilizou a “força total” contra a Faixa de Gaza, mais de 2.200
palestinos acabaram mortos e quase um quarto da infraestrutura de Gaza foi destruída,
resultando em 280 mil pessoas desalojadas. Diante deste cenário, é natural que
organizações solidárias do mundo inteiro se mobilizem para defender Boicote,
Desinvestimento e Sanções contra Israel. Foi com essa intenção que as entidades que
integram o Comitê Santamariense de Solidariedade ao Povo Palestino – ASSUFSM,
SEDUFSM e DCE da UFSM – protocolaram um pedido de informações a respeito de
eventuais contratos e convênios entre a UFSM e entidades israelenses. O objetivo nunca
foi – e nunca será – identificar cidadãos de qualquer nacionalidade.
Contudo, aqueles que desejam erradicar o BDS do Brasil e da América Latina utilizam
esse ato de deturpação da verdade como uma oportunidade de fazer propaganda contra
um movimento pacífico, antirracista e baseado no respeito aos direitos humanos. O
movimento por Boicote, Desinvestimento e Sanções se articula desde 2005, na tentativa
de sensibilizar o mundo a respeito do genocídio existencial, psicológico, histórico,
cultural e social promovido por Israel nos territórios palestinos. O BDS é um
movimento de bases, que procura o diálogo com entidades sociais, sindicais, estudantis,
acadêmicas, culturais e empresariais para defender a necessidade de se promover um
boicote a Israel em todas essas esferas, por se tratar de um regime que promove um
verdadeiro Apartheid contra o povo palestino.
Muitos fatores explicam a queda do regime do Apartheid na África do Sul. Um deles,
sem dúvida, foi a persistente e bem sucedida campanha de BDS promovida contra o
governo racista. O Estado de Israel pratica com os palestinos – e com os árabes em geral
– exatamente a mesma política segregacionista que a África do Sul adotava em relação à
população negra. Os palestinos têm o seu direito de ir e vir completamente controlado
por Israel, que impõe verdadeiros pedágios humanos – os “checkpoints” – em todas as
rotas de passagem de cidadãos palestinos entre uma cidade palestina e outra.
A realidade é que a população palestina está sendo confinada a viver em verdadeiras
prisões a céu aberto. Desde 2006, a Faixa de Gaza vive sitiada por Israel. E, na
Cisjordânia, um muro de até oito metros de altura percorre suas fronteiras e confina a
população palestina ao absurdo de se ver detida em seu próprio território. Isso para não
falarmos nas prisões políticas, nos crimes promovidos em cada nova investida contra a
Faixa de Gaza ou a Cisjordânia. Há mais de 60 anos, a maioria do povo palestino vive
como refugiados, longe dos próprios lares. Cada uma dessas atitudes de Israel constitui
uma violação das leis internacionais, de acordo com a ONU, e representa uma ferida
aberta do neocolonialismo no mundo contemporâneo.
As nações, empresas, entidades e cidadãos comprometidos com os direitos humanos e a
democracia não podem adotar dois pesos e duas medidas para lidar com o fenômeno do
Apartheid. As lutas que resultaram na criminalização do colonialismo e do Apartheid a
nível internacional vieram após muitos sacrifícios. Não podemos permitir que o mundo
retroceda e passe a aceitar essas práticas como normais na comunidade internacional.
Quando compramos produtos israelenses, quando uma empresa firma contrato com uma
companhia israelense, quando um governo compra armas ou tecnologia militar de
Israel, quando um artista de renome internacional realiza um show em Israel ou quando
uma universidade estabelece parcerias acadêmicas com Israel, estamos todos
financiando corporações e entidades que contribuem ao massacre do povo palestino nas
mais diversas formas. Mais do que isso, estamos legitimando um regime racista,
genocida e que infringe diversas leis internacionais.
Percebendo os crescentes êxitos do apelo por BDS, Israel tem elevado o tom nos
discursos e nas ações contra o movimento, limitando as liberdades democráticas, o
direito à expressão, à organização e à informação. Em 2011, o Knesset aprovou uma lei
que penaliza os ativistas que defendem o BDS. Pela lei, qualquer pessoa que defender
publicamente o BDS pode ser processada e condenada a indenizar o Estado. Além
disso, as empresas que aderirem ao BDS poderão ter seus contratos com o Estado
rescindidos. E as ONGs que apoiarem o movimento poderão ter suas personalidades
jurídicas modificadas, passando a pagar impostos como se fossem empresas privadas.
Em abril deste ano, a Corte Suprema israelense confirmou a legitimidade desta lei anti-
democrática.
Atualmente, a extrema-direita protocolou um projeto de lei no Knesset que proíbe a
entrada em Israel de qualquer pessoa que manifeste apoio público ao BDS. No mês de
junho, o governo israelense tem dito que a prioridade de Israel será combater
globalmente o BDS, chegando ao absurdo de afirmar que um movimento pacífico e
respaldado na legislação internacional representa uma ameaça tão grande à existência de
Israel quanto a capacidade nuclear iraniana.
As mentiras e manipulações veiculadas a respeito do pedido de informações enviado à
UFSM acusam os apoiadores do BDS de quererem “identificar” cidadãos israelenses –
uma prática que nunca foi defendida pelo movimento. Esquecem-se, contudo, que são
os próprios defensores da política genocida de Israel que perseguem e humilham
publicamente os ativistas pró-Palestina. Nos Estados Unidos, e em outros lugares do
mundo, a iniciativa AMCHA publicou uma lista de professores que consideram “anti-
israelenses” para que os estudantes os boicotem. E o site Canary Mission se dedica
unicamente à identificação de pessoas que apoiam a causa palestina. Essa iniciativa
obscura expõe fotografias, perfis e dados pessoais de cidadãos, estabelecendo relações
entre eles e violando de forma inacreditável a intimidade e o direito à privacidade.
Assinamos, então, este manifesto, para repudiar essa tentativa de criminalizar a
solidariedade. Repudiamos as manipulações e os ataques contra a campanha por BDS.
Frente à política agressiva e desumana de Israel, nossa defesa dos direitos humanos do
povo palestino é mais urgente do que nunca! Somos cidadãos comuns, ativistas,
políticos, empresários, profissionais liberais, lideranças comunitárias, acadêmicos,
intelectuais, estudantes e artistas. Somos muitas vozes unidas para denunciar o
Apartheid israelense contra o povo palestino!
Entidades que assinam a carta:
Associação Cultural Jose Marti RS
Banda Farabute
Comitê Brasileiro Palestino em Defesa do Direito de Retorno
Comitê Estudantil de Apoio a Palestina
Centro Cultural Palestino do RS
CUT Rio Grande do Sul
Comitê da Palestina Democrática
DCE PUC- RS
DCE UFRGS
Federação dos Metalúrgicos do RS
Federação dos Trabalhadores Industria Alimentação – FITIASRS
FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil
Fetrafi/RS – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras nas Instituições Financeiras
Frente Quilombola RS
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial da Mulheres
Movimento Luta Socialista
NEPAA – Núcleo de Estudos e Prática em Autonomia e Autogestão Organização
A Marighella – Coluna do RS
Portal Ano Zero
Quilombo da Familia Fidelix
Quilombo dos Flores
Sindicato dos Bancários de Porto Alegre
Sociedade Árabe Palestina Brasileira da Grande Porto Alegre
Sindicato dos Servidores do Ministério Publico RS
Sindicato dos Servidores Publicos do RS
Sindicato dos Bancarios de Santa Maria
Tribo de Atuadores Oi Nóis Aqui Traveis
Unidade Popular
Voz Ativa.
O que está por trás da investida israelense contra a UFSM?
Porto Alegre, 05 de Julho de 2015